Augusto Cury dá dicas para criar mentes saudáveis e lares felizes
Fonte: Site Metrópoles - Coluna Claudia Meireles
Psiquiatra mais lido em todo o mundo com livros sobre a mente humana, Augusto Cury concedeu entrevista exclusiva à Coluna Claudia Meireles no último sábado (6/5). O escritor dos best-sellers Ansiedade, O Vendedor de Sonhos e O Maior Líder da História aterrissou em Brasília para dar uma aula sobre como tornar a vida mais significativa aos convidados do evento de inauguração de um condomínio da FGR, incorporadora parceira do programa Gestão da Emoção — Mentes Saudáveis, Lares Felizes, nome da nova obra do autor.
Discreto, Cury não costuma dar entrevistas. Na rara conversa, o especialista demonstrou preocupação com o futuro da humanidade, em especial com o rumo seguido por crianças e adolescentes que mergulham no universo do excesso de informações em tão pouca idade e, consequentemente, não conseguem desacelerar. Em meio ao turbilhão de experiências, veem-se na mira de críticas e falhas, o que desencadeiam gatilhos. Isso está na formação e desenvolvimento dos adultos vindouros.
Diante da reflexão, questiona-se como mudar a triste realidade atual. Na avaliação de Cury, a resposta está em ensinar a respeito da gestão das emoções.
Segundo o psiquiatra, os seres humanos não sabem como “cultivar” as habilidades socioemocionais, a exemplo de pensar antes de reagir; colocar-se no lugar do outro; trabalhar perdas e frustrações; gerenciar o estresse; e aprender a impugnar pensamentos perturbadores no exato momento em que surgem.
A educação se tornou cartesiana e racionalista. Ela é expositora de dados. Ensinam as crianças, os adolescentes e os adultos, da pré-escola à pós-graduação em qualquer curso, seja de medicina, seja de engenharia e biologia ou mesmo na diplomacia, a conhecer desde o pequeno átomo, mas não ensinam a conhecer os solos da mente humana, nem a desenvolver as habilidades e, muito menos elencam as habilidades socioemocionais mais importantes.
Como aprender sobre gestão das emoções?
Você sabia que tem um biógrafo no seu cérebro capaz de registrar tudo automaticamente, sejam seus lixos mentais ou suas ideias inteligentes? É o fenômeno ram. Ele faz o registro automático da memória, sem autorização do eu, em cinco segundos e se você não impugnar, reciclar, discordar e confrontar como advogado de defesa ou fazer um fórum para que o réu não seja condenado, vocês serão condenados, porque serão registrados milhares de lixos diários.
Acumula em cinco segundos?
Sim. Por exemplo, você me ofende, me rejeita ou alguém te rejeita. Naquele momento, a melhor resposta não é dar resposta. É uma ferramenta de gestão de emoção, eu me recolho dentro de mim, não reajo pelo fenômeno da ação e reação ou bateu, levou. Eu começo a criticar em poucos segundos o pensamento: Por que eu sou obrigado a ser ofendido por essa pessoa? Por que eu não sou livre? Eu não sou escravo do que os outros pensam e falam de mim.
Quando eu me recolho rapidamente, a janela que está aberta e sendo imprimida a experiência da ofensa, você reedita na hora e reescreve, porque se enxerta novas ideias. Se não o faz, o registro ocorre. É por isso que muitas pessoas querem se livrar dos seus inimigos e desafetos. A emoção compra a ofensa como se fosse algo dramático e o eu deveria entrar no processo de dar um choque de lucidez, questionando, discordando e confrontando rapidamente, de reeditar a janela.
Se isso não ocorre, as pessoas começam a pensar no seu desafeto, uma, duas, três, 10, 100 vezes e quanto mais pensa, repensa e mais retroalimenta aquela janela killer e forma um cárcere mental. No caso, retroalimenta o bullying e chega no momento que pode gerar a ansiedade, depressão ou até mesmo esses jovens que saem atirando nas escolas.
Doutor Augusto Cury, o que podemos fazer para evitar essa ruminação de pensamentos? Pode indicar algumas ferramentas para termos uma qualidade de vida melhor e uma gestão melhor desse eu?
Essas ferramentas são fundamentais para que uma pessoa possa sobreviver de maneira digna e saudável em uma sociedade altamente interessante.
A minha paz vale ouro. O resto é lixo. Ter auto consciência que a nossa saúde emocional e a nossa paz valem ouro. É uma autoconsciência fundamental para autoproteção. Se não, qualquer coisa irá tirar a minha paz. Uma ofensa, rejeição, crítica e um problema que eu tenho amanhã é capaz de destruí-la. Registra automaticamente pelo fenômeno ram e asfixia meu prazer de viver.
Como exercitar essa ferramenta? Quais os benefícios de praticá-la diariamente?
Se as pessoas, crianças e adolescentes, bem como adultos, todos os dias, pelo menos, três vezes por dia, introjetassem ‘minha paz e minha saúde emocional valem ouro, eu não negocio com nada nem com ninguém. O resto é lixo’. Quando alguém os ofendesse, quando houvesse um problema, já teriam janelas arquivadas saudáveis, chamadas de lights, que neutralizam a ofensa, rejeição e a crítica.
Isso é tão revolucionário, que você não consegue evitar todos os bullyings, mas pode proteger a pessoa ofendida e ela se protege quando começa todos os dias introjetar o quanto vale a própria saúde emocional.
Se as pessoas introjetassem isso: ‘Minha paz vale ouro. Minha saúde emocional é inegociável’, teríamos pessoas autoprotegidas pelo eu. Não seria inteligência emocional, mas sim gestão da emoção, assim como no programa Mentes Saudáveis, Lares Felizes. Quem tem que gerir a emoção é o eu, que representa a capacidade de escolha, de construir pensamentos, a consciência crítica e a capacidade de autonomia, autogerenciamento e autoconsciência. Só que esse eu é muito mal formado.
Além da mensagem: “Minha paz vale ouro. O resto é lixo”, qual outra ferramenta recomendada para nos ajudar no processo de ter uma vida mais feliz?
É a arte da dúvida. Tenho de duvidar de tudo que me controla, porque tudo o que eu creio, me controla. Por exemplo, cerca de 3% das mulheres se vêem belas. E os 97%? Observam o padrão dinâmico de beleza das mulheres magérrimas nos vendendo celulares, carros, joias e roupas. A mente não é seletiva. Entra o corpo da mulher e o produto na mesma janela traumática, o killer.
Quando a pessoa vai comprar roupa, tem a compulsão em comprar, há um turbinamento, um incentivo a mais. Ela não se lembra da modelo, mas a modelo entra como mensagem subliminar, por isso é incentivada a compra. Uma pessoa quanto mais ansiosa, menos bem resolvida emocionalmente é e tende a comprar muito mais. Esse padrão de ânimo de beleza é muito grave. É alimentado.
Existe alguma ferramenta que tende a contribuir em como lidar com a dor, medo e receios?
Deve-se aprender a nunca se curvar a dor e a confrontar cada tristeza e angústia para que transforme o lixo em adubo, a rejeição em coragem, a perda em resiliência e as lágrimas em sabedoria. Isso é tarefa do eu. Se o eu não faz, não adianta um homem ou mulher dirigir uma empresa de maneira excelente, se não vai conduzir a própria a mente.
Não adianta ser um dos bilionários da Forbes. Eu já dei entrevista na Forbes Americana e choquei todo mundo. Falei que há muitos bilionários que são miseráveis morando em palácios. Por quê? Porque simplesmente eles não sabem proteger a sua própria emoção
Augusto Cury
Outra ferramenta muito importante é abaixar o tom de voz. Se eu elevo o tom de voz, posso até ganhar a razão, mas eu registro-me de maneira desprivilegiada. É do teu próprio cérebro. Se eu elevo o tom de voz, me registro como agressor. Essa agressividade que eu transmito aos outros, retorna contra mim mesmo, por isso, que o ódio, a raiva e o sentimento de vingança fazem mal primeiro ao hospedeiro para depois fazer mal aos outros.
As ferramentas anteriores trabalham bastante o lado individual. Como o programa Mentes Saudáveis, Lares Felizes envolve a família visto que está relacionado à casa, pai, mãe e filhos?
Uma ferramenta importante é contemplar o belo. As crianças e adolescentes precisam daquilo que o dinheiro não pode comprar, mais do que aparelhos, roupas de marcas e produtos. Eles precisam fazer das pequenas coisas o espetáculo aos olhos. Isso é contemplar o belo, mas não se consegue se o pai não sai e começa a sentir a tortuosidade dos troncos das árvores.
Metaforicamente, os pais têm de ensinar aos filhos que a vida é um grande contrato de riscos. Risos e lágrimas, aplausos e vaias, sucesso e fracassos fazem parte da história de cada ser humano.
O problema é se curvar aos fracassos, às vaias, ao bullying, à dor, à rejeição, à crítica e isso gera um registro privilegiado, que faz com que a âncora da memória, a âncora emocional, fixa-se naquela região e se começa a ler e reler aquela experiência, formando um cárcere mental. Por isso, o programa Mentes Saudáveis, Lares Felizes objetiva a prevenção de transtornos emocionais.
Doutor, como avalia a educação dada pelos pais aos filhos? Ela se dá de forma correta ou prejudica o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes?
O que propomos não é consertar a educação mundial, mas sim mudar a estrutura e a essência. Passar da era do apontamento de falhas para a era da celebração dos acertos. Se os pais desde pequenos parabenizassem os acertos e minimizassem os erros, se elogiassem e aplaudissem, eles levariam as crianças a formarem as habilidades socioemocionais, como empatia, altruísmo, solidariedade e autoestima.
Os filhos desenvolveriam mentes brilhantes, mais tranquilas, não agitadas, ansiosas, insatisfeitas, que precisam de muitos estímulos para sentir milhares de prazeres, tornando-se mendigos emocionais. Mas é uma mudança de paradigma, porque os pais e os professores da sala de aula do mundo todo são apontadores de falhas. Um aluno acabou de errar, o professor critica ao invés de aprender ferramentas de gestão da emoção.
Qual o poder dessa ferramenta de elogiar antes de corrigir?
Elogiar antes de criticar, aplaudir o aluno, dizer o quanto ele é incrível, inteligente e admirá-lo, quando faz isso, detona o gatilho, fenômeno inconsciente e abre uma janela saudável, chamada de light. Quando o professor pergunta ao aluno para pensar em seu comportamento ou o que fez ao colega, ele irá desenvolver a capacidade de pensar, de ter empatia ou se colocar no lugar do outro. Funções importantíssimas para a formação de uma personalidade.
Os professores apontam falhas e os pais dizem: ‘Você não vai virar nada na vida’. Quando faz isso detona o gatilho, abre a janela killer. O volume de tensão é grande. A âncora emocional se fixa gerando hiperfoco, milhares de janelas ou arquivos não são acessados. A criança e o adolescente não entendem a correção do pai ou da mãe, também o colaborador não consegue compreender e assimilar a correção de um executivo. Naquele momento, gera-se a síndrome do predador preso.
No caso das crianças, adolescentes e adultos que sempre são corrigidos com críticas, como a mente responde a isso?
O primeiro fenômeno é o gatilho da memória. Segundo é a janela, no caso, uma janela traumática, o killer. O terceiro é a âncora que se instala e fixa na ofensa, rejeição, bullying, perda e fracasso. O quarto fenômeno é o alto fluxo. Ele começa a ler aquela área que tem hiperfoco. É um problema, pois você não enxerga mais nada. Você lê e relê, retroalimenta a raiva, ódio, sentimento de vingança e de baixa autoestima.
Doutor, antes de finalizar. Como descreveria um lar feliz?
Um lar feliz é onde os pais criticam menos e abraçam mais, elogiam pelo menos três vezes por dia quem ama. Um lar feliz é onde os pais e filhos dão menos respostas prontas e fazem mais perguntas para explorar o tesouro que está nos solos rochosos, que aparentemente se expressa nos comportamentos mais curtos de um lar feliz. Um lar feliz é um lugar que eu mudo a era do apontamento de falhas para a era do eu como gestor da mente humana. O pai ensina aos filhos que os piores inimigos não estão fora, mas sim na mente.
No lar feliz, o pai ensina ao filho que a mente vai mentir sobre não ser capaz de se reinventar, de ser autor da própria história e não impugnar, confrontar com seus pensamentos perturbadores, mas isso é uma mentira. O teu eu pode ser treinado pode ser treinado para ter autocontrole e escrever os capítulos mais importantes da sua história nos momentos mais difíceis da vida.