Maria Alice, História e Memória

por: Eric Thadeu Nascimento Souza

O desenvolvimento de Itabuna remonta povos vindos de muitos lugares, com a coragem de quem sempre quis mudar para melhor. A cidade carrega consigo uma história permeada por aqueles que a desbravaram. O sorriso, o amor, a união, as amizades sempre estiveram presentes também, como a romancear as purezas de alma que, entre um suor e outro, disfarçava as grandes dificuldades.

Por esses lados, muita gente do sertão sofrido desta região Nordeste veio como quem enxergava em Itabuna um oásis. Uma família, no entanto, veio de mais longe. De Portugal, passou pela França, atravessou o oceano, chegou ao Rio de Janeiro, na Bahia, em Itabuna. Foi com essa bravura de quem precisava se transformar em “cidadão do mundo”, porque as fronteiras portuguesas pareciam aprisionar o olhar, que o seu João Alves mudou de país. Queria oferecer melhores condições, para a esposa Ana Magalhães, e para os filhos, 15 ao todo, alguns nascidos em Portugal e os mais novos, nascidos em Itabuna.

Maria Alice, a penúltima, nasceu num 31 de janeiro e teve sua infância e juventude ilustradas por um bairro de Fátima que se confundia com o lugar onde Itabuna terminava, sabe Deus onde.

Seu pai e o seu tio ajudaram na construção da igreja que viria a se tornar a Paróquia Nossa Senhora de Fátima, iniciada como capela. Família católica, precisava contornar a morte com as frivolidades da vida e com a fé. Dos 15 filhos, 6 estão vivos.

Da meninice e juventude, Maria Alice lembra de professora Terezinha, viva e sabida. Lembra da Escola Sementeira. Lembra de Havani, dona da Santex e do curso ginasial na Ação Fraternal de Itabuna (AFI). Casou-se aos 15 anos, sem saber direito o que era o amor. Mas sabia que Abílio seria o seu grande amor. Lembra da educação que recebeu. Em 1963, sob o olhar dos pais, as mulheres eram muito podadas. O casamento viria como uma válvula de escape para as pressões. Conquanto, surgiu ali o combustível de uma mulher feliz e realizada. Amou e foi amada. Tiveram dois filhos: Karla e Carlos Abílio. E quatro netos: Gabriel, Júlia e Miguel (filhos de Carlos) e João Abílio (filho de Karla).

De geração para geração, reconheceu aquilo que seriam modelos ideais de educação. Maria Alice não quis para os seus filhos a rigidez com que foi educada. E menos ainda, como avó, para os seus netos.

Dessa percepção, esboça-se a sua capacidade de mudar. Sobre a educação dos filhos, fala em proteção. Sobre os netos, fala em carinho. E ratifica: “o ser humano que não muda é o ser humano que não aprende! ”.

Talvez isso justifique sua amizade com o prefeito Fernando Gomes, que a impulsionaria para a vida política. Maria Alice não gostava de Fernando, porque ele era atrevido e fazia parte de um grupo político diferente. Não ia votar nele na primeira vez em que se candidatou a prefeito. Mudou o seu voto naquele percurso eleitoral, não sem antes ter conhecido o amigo em seu perfil de liderança, mas também em atrevimentos por vezes baseados na imaturidade. “Eu já era casada e, um dia, em campanha política, Fernando passou em minha casa, pediu um copo com água e eu fui buscar. Quando eu voltei, ele tinha entrado em minha casa, sem ser convidado, entrou num quarto e deitou-se na cama, dizendo que estava cansado”.

Aquela atitude teve uma resposta, com Maria Alice e família expulsando-o. Mas algo daquela ousadia teria lhe marcado a existência com o carimbo da amizade fraterna. Na primeira eleição de Fernando, candidato a prefeito, ela já mudara seu voto, ia votar no homem simples, de fala humilde. Voto vencedor, cinco vezes prefeito.

A amizade era e sempre foi uma recíproca verdadeira. E Maria Alice, desde a primeira gestão de Gomes, passou a trabalhar junto com ele. No início, sem salário. Até que alguém, observando que aquela mulher era muito responsável, resolveu fazer-lhe uma proposta que a retiraria de perto do prefeito. Não deu certo. Gomes percebeu que tinha ali uma amiga incomum, uma líder. Contratou-a. Com salário e tudo.

A importância que ganhara na vida política fez surgir um rótulo injusto, o de “A Dama de Ferro das Terras Grapiúnas”, numa alusão à então Primeira-Ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher, que comandou a política inglesa entre 1979 e 1990. Injusto porque Maria Alice era apenas uma mulher de personalidade forte num mundo predominantemente masculino e machista. Ela precisava se impor.

Entre as atividades políticas, não estava completamente desvencilhada das agruras da vida, as mesmas que por vezes dilaceraram os corações dos seus pais. Foi assim que enfrentou o falecimento de sua primogênita, Karla, em 2009 e do marido, Abílio, em 2013. Após, enfrentou ainda as despedidas de Evaristo (“Lagariça”), cunhado, em 2014; Francisco (“Quinho”), sobrinho, em 2015; Marcos Magalhães, sobrinho, em 2016; e Cláudia, sobrinha, em 2017.

A paciência de mulher foi preponderante nessas horas. Para os momentos em que nada pôde ser feito, o crochê. Resignada e fervorosa em Deus.

Hoje Secretária de Governo no quinto mandato de Fernando Gomes, age com a simplicidade dos ensinamentos dos mais humildes e com a sabedoria de quem vivencia a política há mais de 40 anos. “Aprendi que quem não vive para servir, não serve para viver”, diz. Reflexo da mulher vitoriosa que precisou cuidar da família e do trabalho, diz que isso só foi possível porque sempre teve anjos em sua vida, citando dona Ednalva (“Dina”), pessoa que sempre cuidou dela, da casa e da família, e por quem também nutre os sentimentos mais afáveis.

Hoje em Maria Alice, não há mais do que duas ou três palavras que não estejam ilustradas pelo sorriso, por vezes pelas gargalhadas; e pela vontade de trabalhar, pela grandiosidade de ser humano que se tornou. Um reflexo estampado de quem se inspira nas próprias experiências para aprender cada vez mais, de quem ajuda e ajudou a conduzir os caminhos e as histórias de sua cidade.

 

Jogo Rápido: “Maria Alice por Maria Alice”

 

Família: “A base da vida!”

Religião: (pausa para pensar)… “Deus! Acima de tudo e de todos!”

Política: “O caminho para a liberdade. ”

Fernando Gomes: “Um grande homem. ”

Maria Alice por Maria Alice: “Aprendendo cada dia mais.”

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